segunda-feira, 7 de junho de 2010

Musicália indica...


Carnaval Ijexá

O autor Antonio Risério, através de estudos e uma investigação peculiar, presenteia os leitores com uma belíssima visão sobre os comportamentos da população de Salvador através da afirmação da identidade negra.

50 Anos de Trio Elétrico



Fred Góes, mais uma vez, nos surpreende e traz um livro cheio de informações sobre a história dos trios elétricos desde a sua origem até a atualidade. O livro traz muitas fotos e vários depoimentos de artistas que participaram e participam da manifestação cultural.

Matéria Especial: A máquina de fazer alegria



Salvador, década de 1930. Dorival Caymmi, Adolfo Nascimento (Dodô), Alberto Costa e Zezinho Rodrigues formavam o grupo musical Três e Meio, responsável por animar as festas da cidade. Como também se apresentavam em rádios, começaram a fazer sucesso no estado. Em 1938, Caymmi decide ir para o Rio de Janeiro e o grupo é reformulado e passa a contar com sete integrantes. Entre eles estava Osmar Macedo. E foi assim, através da música, que Dodô e Osmar se encontraram.

Em 1942, no cine Guarani foi mostrado ao público o “violão eletrizado”, através do violonista clássico Benedito Chaves. Dodô e Osmar foram assistir ao show, a fim de conhecer o instrumento. Era um violão tradicional e tinha um captador localizado na boca. Mais havia um problema, já que apresentava microfonia (ruído decorrente da realimentação de um som já amplificado, através de um microfone). Dodô, querendo eliminar esse problema, fez um violão igual ao do violinista, mas não adiantou. Daí fez um cavaquinho para Osmar e assim a “Dupla Elétrica” estava formada.

“Eles tocavam com instrumento acústico e dava muita microfonia, não podia aumentar o volume. Então eles começaram a fazer experiência. Chegaram na oficina de Dodô que era radio técnico, em uma bancada eles colocaram um prego de cada lado, estenderam uma corda de instrumento e aí botou o captador em baixo e começou a tocar. Aumentava o volume e não dava microfonia. Então eles sacaram que o “cepo maciço” do instrumento evitava o fenômeno da microfonia. E aí fizeram o protótipo que é o pau elétrico”, explica André Macedo. Assim nasceu a guitarra baiana.

Até 1949 a “Dupla Elétrica”, produzindo seus instrumentos, tocavam em festas e bailes. No ano seguinte, pouco antes do carnaval, o navio que transportava o Clube Carnavalesco Vassourinhas de Recife que iria realizar uma apresentação no Rio de Janeiro, aportou em Salvador e á pedido do então governador Otávio Mangabeira, fizeram uma apresentação na Rua Chile. Durante a apresentação, o povo se misturou aos músicos formando uma aglomeração, resultando em um acidente com um dos integrantes do Vassourinhas, que teve os dentes quebrados. Dodô e Osmar estavam no meio da multidão.

No dia seguinte, a dupla resolveu criar uma nova forma de brincar carnaval, de divertir o povo. Osmar pegou no galpão de sua oficina um Ford 1929 e ornamentou o veículo com bolinhas coloridas em referência aos confetes, muito utilizados na época no carnaval. Além disso, fez duas placas em formato de violão, onde escreveu “Dupla Elétrica”. Radio técnico, Dodô teve a ideia de confeccionar uma fonte de energia para que através da corrente da bateria do carro, fosse possível o funcionamento dos alto-falantes. A Fobica estava pronta para o carnaval.

“Então domingo eles foram sair da Piedade para a Praça da Sé. Eu estava lá. O Osmar ficava em cima da Fobica tocando cavaquinho, Dodô no violão e o sogro dele (Osmar) Armando, tocando pandeiro. Embaixo tinha alguns percussionistas”, recorda Orlando Campos, criador do Trio Tapajós.

Uma multidão começou a acompanhar a dupla. Mas na descida da Ladeira de São Bento, o carro começou a produzir fumaça. “Osmar gritou para o motorista dele que era o Olegário e falou: ‘Para, para que a Fobica está fumaçando e dançando para um lado e para o outro’. Aí Olegário respondeu: ‘Seu Osmar parado já estava há muito tempo. O povo é que está empurrando’. Naquela época para mim foi um momento histórico e daquele povo que estava empurrando a Fobica, eu era um deles”, conta Orlando com satisfação.

Em 1951, Temístocles Aragão foi convidado a se juntar a Dupla Elétrica. Osmar solava as músicas com o cavaquinho, Dodô com o violão fazia a marcação e Temístocles tocava o triolim, instrumento de harmonia. “Colocaram na lateral da nova caminhonete ( a Fobica tinha derretido o motor no carnaval de 50) o Trio Elétrico, e com isso, mesmo crescendo a quantidade de gente e o caminhão, o povo quando via dizia ‘ lá vem o trio elétrico’ e com isto estava consagrado o nome”, comenta Betinho Macedo.

E o caminhão continuou mesmo crescendo, pois no ano seguinte a fábrica Fratelli Vita passou a patrociná-los, aumentando o veículo, a quantidade de alto-falantes e iluminação. O Trio Elétrico além de se apresentar no carnaval de Salvador, estava participando de micaretas no interior da Bahia. O patrocínio da fábrica durou até 1957.

A partir de 1953, outros trios começaram a surgir em Salvador, entre eles o Ypiranga de Cristóvão Ferreira, o Jacaré que passaria a ser Saborosa, Atlas, Alvorada e o Cinco Irmãos, de Periperi.

E veio o Tapajós

Após o mês de fevereiro de 1956, Orlando Campos que já tinha formado seu conjunto elétrico no ano anterior, enfeitou uma caminhonete com bandeirolas e gambiarras e colocou a banda para tocar. Com patrocínio de pequenos comerciantes, amigos e do Clube Flamenguinhos do qual Orlando fazia parte, o Trio Tapajós fez o carnaval de Periperi.

A Prefeitura de Salvador resolve patrocinar Dodô e Osmar em 1958 e no ano seguinte são convidados pelo governador de Pernambuco a tocar em Recife, animando o carnaval com o patrocínio da Coca-Cola.

Durante esse período, Orlando continuava fazendo o carnaval no Subúrbio Ferroviário. Em 1960, Dodô e Osmar fizeram o último carnaval deles, visto que após a festa o sogro de Osmar, Armando Meirelles morre. Como ele era o grande incentivador do trio elétrico, eles decidiram parar.

Ainda em 60, Orlando compra uma das carrocerias de Dodô e Osmar. O trio Tapajós, já tinha algumas melhorias, como a inclusão de um banheiro improvisado e um motor, produzido por Dodô. Em 1961, fez cinco micaretas com o patrocínio da Coca-Cola nas cidades de Alagoinhas, Feira de Santana, Catu, Pojuca e São Sebastião do Passé.
Com a parada de Dodô e Osmar, Orlando foi o responsável por manter o sonho do trio elétrico e em 1962, traz o Tapajós à Salvador. “Um amigo meu que era vereador, era muito amigo do prefeito na época. Ele conseguiu colocar o Tapajós no carnaval em 62. A minha alegria redobrou. Carnaval de Salvador pela primeira vez. Saio do subúrbio para a capital”, conta Orlando. O Tapajós nesse ano foi vice-campeão, ficando atrás apenas do Jacaré.

Assim o Tapajós se tornou mais conhecido em Salvador e Orlando queria evoluir ainda mais. “Eu quero preparar um trio sem ser ele acoplado no caminhão. Eu quero ele acoplado no chassi do caminhão. Tirava a carroceria do caminhão e preparava o trio elétrico” lembra. A carroceria de Dodô e Osmar comprada por ele serviu de base para fabricação desse trio, quando ele criou a carroceria de metal.

Em 63, volta ao carnaval o trio de Dodô e Osmar em um carro alegórico montado sobre uma carreta. Armandinho já atuava como solista estando com apenas 9 anos de idade. O Tapajós desfila com o patrocínio da Coca-Cola e no concurso de trios, é consagrado campeão.

“Em 1963, Armandinho já dedilhava com desenvoltura as músicas tocadas pelo pai no trio, e com o pau elétrico de seu pai que com justa alegria, fez um pequeno trio elétrico, saiu no carnaval de 64 com uma placa luminosa com os dizeres ‘Osmar apresenta seu filho Armando’ e em letras menores ‘Dodô e Osmar os foliões’, comenta Betinho Macedo.

A divulgação do Tapajós atingiu o nível nacional e nesse ano tocaram no carnaval de Recife, patrocinado ainda pela Coca-Cola. Nos três anos seguintes ganhou como melhor trio, se tornando tri-campeão.

A música “Atrás do Trio Elétrico”, foi lançada por Caetano Veloso em 1969. “Eu creio que Caetano Veloso fez da Fobica para homenagear todos os trios elétricos. Foi naquele ano. E aí o próprio Caetano falou: ‘ Nós temos Orlando que gravar um disco’, declara Orlando. E no mesmo ano o Tapajós gravou seu primeiro LP pela Philips, sendo o primeiro trio a gravar um disco, ainda com a música de Caetano. Cada vez mais conhecido no Brasil e com ajuda de Caetano que o levou para o Rio de Janeiro para reforçar o lançamento do disco, o Tapajós foi convidado a participar do Programa A Grande Chance da TV Tupi, cujo apresentador era Flávio Cavalcanti.

Em virtude da preparação de mais um trio elétrico para o carnaval, agora de 1972, Orlando viaja à São Paulo para trazer o que havia de novidade para o trio que iria construir. “Quando eu volto no avião e começo a ler uma revista, ali encontrei uma foto de uma nave supersônica. Aí eu olhei assim, isso aqui dá um trio elétrico da zorra, viu? O trio elétrico que eu vou fazer vai ser baseado nessa nave”, declara Orlando.

Caetano Veloso, que estava exilado em Londres anuncia a sua volta em 72, quando gravou a canção “Chuva, Suor e Cerveja” e mandou para o Brasil. Na terça-feira de carnaval de 72, sai no jornal A Tarde que Caetano estava de volta ao país. Orlando, ao ler o jornal decide prestar uma homenagem ao cantor e batiza seu mais novo trio: Caetanave.

No desfile do carnaval estavam na Caetanave, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Gal Costa, Maria Bethânia, sem contar Dodô e Osmar. Além disso, houve o encontro entre Osmar na Caetanave e Armandinho, que fez o “Desafilho” quando se apresentava no trio Saborosa.

Jubileu de Prata


“Em 74, vendo se aproximar a data do Jubileu de Prata do trio elétrico no ano seguinte, nada melhor do que comemorar com um registro fonográfico, um LP, com a nova banda do trio, então composta por filhos de Dodô e de Osmar sob a batuta de Armandinho. Partimos para o Rio, lá chegando, em um encontro casual com o recém ex-Novos Baianos, Moraes Moreira achou a ideia fantástica e desde já como num passe de mágica e completamente entrosado no assunto, estava alí o primeiro cantor do trio elétrico e partimos para a gravação do nosso primeiro disco. Ah, e como é o nome do trio? Com os seguidores vieram tapajós, marajós (1972) etc e o nosso? Foi quando em um bate papo, Caetano veloso disse: ‘Façam uma homenagem aos criadores, bote o nome Dodô e Osmar’. E aí, com este nome, gravamos o nosso primeiro disco que foi lançado em janeiro de 1975, que com uma formação de banda, entrou pela primeira vez o contra baixo em trio elétrico e com isso a inclusão de caixas de som para reproduzir os seus graves”, explica Betinho.

Para comemorar o Jubileu de Prata, a Fobica volta às ruas de Salvador em 1975. Os criadores foram homenageados na Praça Castro Alves pelos trios que cantaram “Parabéns pra você” além de terem recebido um troféu pela criação do trio. Dodô e Osmar deixam para sempre o carnaval como músicos e os filhos assumem o bastão.

Os Novos Baianos vêm do Rio de Janeiro e sobem no trio trazendo mudanças técnicas passando a utilizar caixas acústicas, twiters e cornetas Snak e mudanças no repertório, que ficou mais popular. “Com estas mudanças sonoras, em 77, Moraes incluiu no repertório do trio o ijexá, ritmo africano amplamente usado na Bahia pelos Filhos de Gandhy e também o galope e o reggae enriquecendo o repertório rítmico que só era de frevos. Estas mudanças eram imediatamente aceitas pelo povo que logo inventava uma coreografia e de repente toda a praça estava no mesmo balé consagrando assim a criação”, salienta Betinho. Nesse ano a música Pombo Correio é lançada e trio decorado com uma pomba branca.

Um dos criadores do trio elétrico Adolfo Nascimento, mais conhecido como Dodô morre. Em sinal de luto o Tapajós acompanhou um sepultamento envolto em uma faixa preta. Já Osmar morreu em 1997 e em seu sepultamento houve a passagem dos trios elétricos na Castro Alves.

Anos 2000



O trio elétrico comemora o Jubileu de Ouro. O trio Armandinho, Dodô e Osmar continua tocando no carnaval para a pipoca e bandas da nova geração sobem no trio a exemplo da banda Psirico comandada por Márcio Victor, que afirma que começar a tocar em trio foi muito natural já que o ritmo pede.

A guitarra baiana continua a atrair adeptos. “Dá orgulho pra gente de ver hoje a dimensão que isso tomou. Tanto do trio quanto da guitarra baiana. Tinham poucos, Luiz Caldas, Pepeu Gomes da antiga e tem o pessoal novo, Durval (Lelys). Isso divulga o instrumento, isso é muito bom e só me dá orgulho de saber que foi inventado pelo velho Osmar e pelo velho Dodô”, afirma André.

O desenvolvimento tecnológico permitiu o aperfeiçoamento gradativo tanto da estrutura do trio elétrico, quanto da aparelhagem e dos instrumentos. “Naquela época o som, a tecnologia era uma coisa muito incipiente, muito arcaica ainda. Tinha que se descobrir como eles descobriram o pau elétrico. Dodô que fabricava os instrumentos que não existia para vender. Então era uma coisa de pioneirismo mesmo”, enfatiza André.

Qualidade é o principal objetivo de quem faz som no trio e para isso é necessário estudo e dedicação. “O Psirico faz questão de ter um som de qualidade, afinal de contas, a gente trabalha tanto, estuda, pesquisa, e na hora de apresentar ao público, realmente precisa estar tudo direitinho para dar certo. Cuidamos dos instrumentos, sempre procuramos o que há de melhor no mercado, para oferecer sempre a maior qualidade. É uma preocupação de toda equipe, mas principalmente minha porque vim de uma formação percussiva, então percebo facilmente quando tá indo tudo bem ou não”, explica Márcio.

A música de trio há muito tempo atrai diversas vertentes musicais a exemplo do ijexá, inserido no trio por Moraes Moreira. Hoje até o kuduro, ritmo angolano, já faz parte da festa. “Foi muito bacana isso. A primeira vez foi em 2008 quando convidei o angolano Dog Murras e sua equipe para uma apresentação com o Psi durante o carnaval. Deu muito certo, fizemos vários dias, a galera pirou! Afinal de contas, são dois ritmos muito próximos (axé da Bahia e o kuduro, o samba da África) e as danças são muito divertidas também. E foi muito bom, tanto que repetimos em vários shows do Psi, no carnaval 2009 e ainda fizemos grandes projetos juntos. Gravamos música, CD, clipe... foi uma festa! Eles devem retornar em breve.”

Ritmos como forró, pagode e rock também estão crescendo gradativamente no cenário em que há predominância do Axé Music. “Tudo é bem vindo, desde que faça música de qualidade. Eu acho que não importa o ritmo. O que eu gosto de prezar muito é pela qualidade musical, pela qualidade de letras. Isso é que é importante. Qualquer ritmo tem coisas boas e coisas ruins”, sinaliza André.

Esse ano, o trio completa 60 anos e os agradecimentos foram feitos mais uma vez aos criadores Dodô e Osmar, sendo escolhido inclusive como tema do carnaval. Orlando Campos, responsável por manter o sonho do trio elétrico, está hoje com 77 anos e continua grato aos pais da máquina da alegria. “Eles que foram os meus professores e me ensinaram a arte de fazer felicidade e alegria”, finaliza.

Matéria Especial: 25 Anos de Axé!


Depois da Tropicália, movimento comandado pelos baianos Caetano Veloso e Gilberto Gil e que transformou a música do Brasil, surgiu em Salvador uma novidade no cenário musical baiano. Nasceu em 1985, através do som de Luiz Caldas e sua banda Acordes Verdes, o que se tornaria o maior movimento musical proveniente da Bahia, a Axé Music, que completa esse ano 25 anos de história.

O termo Axé Music foi criado pelo jornalista Hagamenon Brito. Ele uniu o termo Axé, utilizado por roqueiros da época para designar aqueles que faziam “música brega”, ao termo Music, existente em Soul Music, Black Music, etc. Apesar do nome pejorativo criado pelo jornalista, o movimento não apenas cresceu, mas se solidificou e permanece no cenário musical através de artistas como Ivete Sangalo, Chiclete com Banana, Timbalada, Daniela Mercury, etc.

Em 1985, o novo jeito de fazer música começou com a canção Fricote, mais conhecida como Nega do Cabelo Duro, composta por Paulinho Camafeu e Luiz Caldas. Essa música é do disco Magia, que deu início ao registro em discos do movimento e teve como banda o Acordes Verdes, que acompanhou de Luiz Caldas nos shows feitos no Brasil e no exterior do disco.

O disco Magia é muito importante na minha carreira e na de todos os cantores e cantoras de Axé Music. Ele possibilitou todo esse sucesso que temos desde 1985. Eu lancei Magia em um momento muito especial da música brasileira, quando tínhamos compositores maravilhosos sem espaço para mostrar suas composições. O regionalismo foi nacionalizado, com a nova música baiana chegando em todo o país”, explica Caldas.

Na época, o Acordes Verdes gravou discos de artistas como Sarajane, Chiclete com Banana, Margareth Menezes e Banda Reflexus. Os arranjos eram feitos por Caldas, Alfredo Moura, Luisinho Assis e Carlinhos Marques. Para Moura, o disco Magia, de Luiz Caldas; A Roda, de Sarajane; e Sementes, do Chiclete com Banana, são alguns dos grandes momentos do axé em termos de arranjos.

Os integrantes da banda eram os únicos músicos de estúdio e o estúdio da cidade era a WR, de Wesley Rangel, que antes gravava jingles e trilhas. “A WR até hoje tem sido o local de nascimento das bandas baianas que fizeram e fazem sucesso nacional e internacional com a música baiana. Minha função foi facilitar a gravação dos primeiros discos dessas estrelas, tanto produzindo, como orientando ou somente facilitando a gravação do primeiro disco de todos aqueles que fazem sucesso até hoje na Bahia”, afirma Wesley Rangel.

Mas a inserção da música feita por Luiz Caldas nos veículos de comunicação ficou por conta dos radialistas, em especial Cristóvão Rodrigues, na época radialista da Itapoan FM, que foi o primeiro a colocar a música Fricote no ar. “No momento valeu mais o feeling. Achei que era uma música que podia dar resultado em termos de programação. E vinha fazendo isso com músicas de outros pontos do país, do Rio de Janeiro, São Paulo e Belém do Pará. Então Luiz Caldas foi mais um que a gente colocou na programação na época, na Itapoan FM. Deu certo, felizmente” declara Rodrigues.

Não demorou para que a primeira cantora de Axé surgisse. Sarajane fez seu primeiro carnaval em 1981, com os Novos Bárbaros e nesse ano ganhou como melhor cantora. Logo aderiu ao movimento. “Entrei no Axé por que era musica de comunidade carente. De onde eu vim”, declara. E foi na Axé Music que a cantora garantiu o sucesso. Em 1986, surgiu de uma brincadeira entre a cantora e o percussionista Davi Guedes, a música que seria um dos maiores sucessos de sua carreira, a música A Roda. A cantora também foi uma das divulgadoras da música negra. “Eu sou a primeira, a quem trouxe e divulgou a música de rua negra das comunidades carentes. Era o que eu sabia, cantar e dançar’, completa.

A música da Bahia sempre foi composta a partir de influências de outras vertentes musicais como samba, reggae, ijexá, galope, frevo, merengue, etc. Com o Axé não seria diferente.

Gerônimo por exemplo, traz em suas canções as influências caribenhas e africanas, com destaque para a última, visto que defende os ideais do povo negro. A música “Eu sou negão”, sucesso até hoje no carnaval, foi composta de improviso pelo cantor em sinal de protesto a discriminação no carnaval de Salvador, protagonizada pelos blocos de trio e os blocos afro. “Uma música de improviso é feita sem previsão. O sucesso veio com a verdade e a dialética. Uma crônica que se passa no carnaval, que ao longo dos anos é o retrato da sociedade que faz segregação e apartheid o tempo todo”, desabafa Gerônimo.

Em meados dos anos 1980, os profissionais de comunicação passaram a acreditar no novo movimento musical, abrindo o leque lançado por Cristóvão Rodrigues. “A partir do momento que um grupo de radialistas da Bahia na metade dos anos 80, entendeu que essa música, esse santo de casa, poderia fazer milagres, você mudou. Não é nada mais do que isso”, ressalta Rodrigues, hoje apresentador da rádio Itaparica FM.

Em pouco tempo, o primeiro movimento genuinamente baiano superou as barreiras mercadológicas e começou a invadir o eixo Rio-São Paulo, onde havia concentração das grandes gravadoras e dos grandes grupos musicais. O programa Cassino do Chacrinha, tinha a presença constante de Luiz Caldas e Sarajane.

A música da Bahia, através do afoxé, também adentrou a teledramaturgia brasileira. É D’Oxum, canção composta por Gerônimo, virou trilha da minissérie Tenda dos Milagres, da Rede Globo. “Isto pode ter sido sorte ou mesmo a energia do orixá ajudou na escolha. A música não fala e não descreve o orixá, mas diz que as pessoas daquela cidade são como a personalidade do orixá. A música entrou na trilha por Dori Caymmi e o seu pai Dorival”, explica o cantor.

As rádios do Brasil não demoraram a veicular as músicas de Luiz Caldas, contando também com o jabá (prática de uma gravadora pagar dinheiro para a transmissão de músicas em uma rádio ou tv) pago pela gravadora, que Caldas garante não ter sido excessiva. “Na época em que lancei a Axé Music as rádios de todo o país tocavam mais meus discos pelo fato de ser algo novo e original, isso já abria muito espaço. No mais, as gravadoras daquela época tinham artistas como Cazuza, Legião Urbana, Lulu Santos, Guilherme Arantes, Titãs, Capital Inicial, dentre outros. Não precisava tanto de jabá assim não, o talento da rapaziada ajudava bastante” diz o cantor.

A inserção dos primeiros cantores na mídia nacional foi fundamental para a disseminação do Axé no Brasil, ao mesmo tempo que em Salvador, mais artistas passaram a se identificar com o movimento e querer fazer parte. Entre os fins das décadas de 1980 e 1990, bandas e cantores solo estariam condensando o movimento, como Tonho Matéria, Daniela Mercury, Margareth Menezes, Banda Reflexus, Ara Ketu, Banda Mel, Timbalada, Chiclete com Banana, Asa de Águia, Jamil e uma Noites, Ivete Sangalo ( Banda Eva), etc.

Músicos e cantores, à medida que aderiram ao Axé, trouxeram influências musicais nacionais e estrangeiras. Assim o movimento nunca se tornou estático e definido. Isso porque a inserção de novas bandas e cantores significava mais inovações no meio musical baiano. Em 1991, Daniela Mercury em seu primeiro disco solo após saída da Companhia Clic, traz na música Swing da Cor, o samba-reggae, gênero dos blocos afros do carnaval de Salvador. Já em 1992, o Ara Ketu insere eletrônica nos tambores, colocando o axé na direção do pop.

A metamorfose contínua talvez tenha sido o principal fator para que o movimento não terminasse e sim agregasse, cada vez mais, um maior número de músicos e artistas. “Axé Music não é um ritmo. Axé Music não é um viés musical. Axé Music é só qualquer música que você faz para diversão na Bahia”, define Cristóvão Rodrigues. A definição de Rodrigues se encaixa na união entre Axé e carnaval, que resulta em diversão. É o momento em que as novidades sonoras produzidas pelas bandas, têm visibilidade e o objetivo é divertir o público. Daí vem a contínua necessidade de inovar e renovar.

Matéria Especial: O axé hoje



O movimento sempre foi munido de mudanças. Mas será que hoje isso permanece? Para Luiz Caldas, mentor do Axé, isso mudou. “Há pouca inovação e muita modificação da mesma célula sonora. Isso não é culpa de ninguém. Só o formato é que apresenta alguma fadiga. É hora de pensar menos em lucro e mais em arte. Sinto que essa seja a única saída para uma melhoria da qualidade e a manutenção do estilo no topo da música” explica.

A mercantilização da música produzida na Bahia, a transformou em uma indústria fonográfica. O empresariado com a intenção de gerar lucro para as empresas, produzem a cada ano, uma quantidade excessiva de bandas. A produção de discos hoje é realizada em estúdios de pequeno porte, que não garantem qualidade. Alfredo Moura vê a composição dos arranjos das bandas de axé como algo repetitivo e que sua produção não é necessariamente mais fácil do que outros ritmos e isso cabe também a produção de discos. “Cada estilo musical tem suas características e isso se reflete nos discos”, afirma Moura.

“Estamos vivendo um momento preocupante. O surgimento de pequenos estúdios levou o movimento da música baiana a uma queda de qualidade impressionante. O artista e os “donos de banda” na Bahia acreditam que uma gravação feita de forma caseira, sem o acompanhamento de profissionais experientes pode ajudá-los a conquistar esse mercado cada vez mais exigente. Para um projeto dar certo é necessário que seja criada uma identidade rítmica, definição de uma linguagem instrumental, qualidade sonora e uma correta definição do público alvo. Sem isso a tendência é o fracasso”, alerta Rangel. Sobre as características fundamentais para produção de um disco de axé, Moura foi taxativo: “Organização, eficiência e criatividade”.

Alguns cantores veteranos ainda inovam, a exemplo de Daniela Mercury, que apesar de ser cantora de axé, já trouxe a música eletrônica e clássica para o carnaval. “O carnaval da Bahia sempre foi plural. Sempre assumiu as várias tendências musicais de qualquer que seja o local de onde ela venha, anglo saxônica, África, Caribe. Eu acho que o carnaval da Bahia é para misturar tudo mesmo” salienta Rodrigues.



No entanto, a inserção de estilos musicais externos sem a mistura com os elementos musicais baianos do samba, ijexá, etc. pode não ser vista como inovação. “Misturar os ritmos resultando em modernas fusões é sempre bom, pois foi assim que a música baiana se firmou no mercado nacional. O problema é que na maioria dos casos estamos “clonando” informações externas e utilizando-as em sua forma quase original o que desprestigia nossa capacidade criativa”, alerta Rangel.

Mas a participação dos estilos musicais baianos, também se dá no carnaval. Desde 1993, com o sucesso estrondoso da banda É o Tchan do Brasil, que contava com as coreografias sensuais, exibidas pelos dançarinos Jacaré, Carla Perez e Sheila Carvalho, o pagode baiano se faz presente. O É o Tchan do Brasil foi a banda baiana que mais vendeu discos, somando 12.000.000 de cópias, sem contar que abriu espaço para o grupo Terra Samba, Companhia do Pagode, Gang do Samba, Harmonia do Samba, etc.

Infelizmente, as pessoas tendem mais a aceitar os estilos musicais que são importados e o preconceito com o pagode, cada vez mais presente no carnaval, ainda é grande. “As pessoas descem o cacete esculhambando o pagode que em geral são músicas de boa qualidade (falando de música). São bem tocadas, tem bons arranjos. Grande parte desta garotada que faz esse tipo de música são bons músicos. Então não tem nada de ruim. O gosto é de cada um”, analisa Rodrigues.

Em meio a polêmicas, influências e transformações o axé sobrevive por mais de duas décadas. Talvez a industrialização da arte não a permita perdurar por muito tempo. Mas isso só o futuro dirá.