quinta-feira, 20 de maio de 2010

O Som dos Afoxés





Primeiramente o que quer dizer a palavra Afoxé? É a enunciação que faz algo acontecer. Assim, Afoxé em Iorubá significa encantamento, ou seja, uma palavra eficaz e operante. De fato, o Afoxé surgiu na Bahia no ano de 1949, com o intuito de preservar e espalhar os valores e características de uma africanidade. As cores e os símbolos dessas entidades estão ligados diretamente a preceitos religiosos, assim juntando o passado com o presente e o reino dos deuses com os dos homens.

Mas por outro lado, existe uma característica forte nos Afoxés que se resume no som no qual eles produzem. De fato, as melodias entoadas pelos Afoxés são cantigas que vêem dos terreiros de candomblé já que o mesmo é considerado como um “candomblé de rua”. Essas músicas nos desfiles, geralmente são puxadas em solo e depois repetidas por todos. Sobre os instrumentos, basicamente são três usados com mais freqüência: o Agbê, também chamado de Xequerê que é uma cabaça coberta por sementes ou contas, o Atabaque que são de três tipos (Rum, Rumpi e o Lê) traduzindo o som do afoxé e o Agogô que dita o ritmo dos outros instrumentos.

O som do Ilê Oyá

Com o seu primeiro desfile carnavalesco em 1979, o Afoxé Ilê Oyá foi conquistando seu espaço e mostrando o poder da sua musicalidade. Com Iansã como orixá protetora “Ilê Oyá” significa Casa de Iansã e foi fundando por membros do candomblé Ilê Axé Oyá. Atualmente o Afoxé, desenvolve atividades de ação social nos bairros de Barros Reis e Vida Nova no município de Lauro de Freitas. Essas atividades são em grande maioria artísticas, culturais e educativas. Localizado no bairro de Pau Miúdo, a instituição tem como presidente Estelita Alves que fala pela organização.

A musicalidade do Ilê Oyá, durante muito tempo foi construída com muita pesquisa e dedicação por parte dos envolvidos e tem como cerne musical o ritmo Ijexá. As suas músicas se inspiram nos orixás da Bahia, principalmente em Iansã que é venerada pela instituição desde o seu surgimento. Assim, são melodias religiosas e dedicadas as divindades do candomblé e com forte influência nas religiões de matrizes africanas.

Como na maioria dos Afoxés, tem como instrumentos musicais base para a construção das suas respectivas canções os Atabaques, Agogôs e Xequerês. Instrumentos esses, que representam para a instituição uma forma de fazer música de raiz com qualidade. Para Estelita Alves, ainda há dificuldades no que diz respeito a inserção das músicas do Afoxé no carnaval de Salvador. Em sua opinião ainda não se chegou a uma abrangência, na qual as suas respectivas melodias possam ser reconhecidas e cantadas por todos.

Sobre as dificuldades que a instituição passa diariamente, está a falta de um patrocínio que forneça possibilidades do bloco ser mais visto e apreciado pelas pessoas. Estelita explica que isso é uma luta que há muito tempo ela tenta vencer, com o intuito de mostrar a potencialidade artística do seu Afoxé. Mas em sua visão isso não afeta na musicalidade do mesmo, que busca sempre uma forma de compor músicas que exaltam a religiosidade, juntamente com os seus orixás e a sua mãe protetora Iansã.

O som do Afoxé Bloco Ijexá da Bahia



O significado do nome desse Afoxé remete-se a África, pois a palavra Ijexá vem de uma tribo africana, no qual os membros marcam o rosto com três cortes. Além do mais, Ijexá também é um ritmo tocado na comunidade do candomblé da cidade de Salvador, sendo possivelmente a matriz rítmica do próprio samba.

Tudo começou na década de 1980, quando o cantor e compositor Germano Cruz criou o afoxé Rum Py Lé, que durante alguns anos desfilou pelas ruas de Salvador no período carnavalesco, encerrando as suas atividades em 1984. Mesmo assim, os fundadores não desistiram e seguiram em frente criando mais tarde o Afoxé Bloco Ijexá da Bahia, que hoje tem a sua sede localizada no bairro do Engenho Velho da Federação com a Presidente Antônia de Jesus. Mas quem fala pela instituição é Germano Cruz.

O Afoxé se baseia basicamente no ritmo Ijexá que vem da África para construir a sua musicalidade, ou seja, eles vão além das fronteiras, buscando ritmos novos em outros continentes. Sem falar do candomblé que tem um papel importante na música do bloco. Germano explica que a inspiração para a construção das canções estão nos temas que todo ano se renovam na avenida além das batidas advindas de uma negritude que eles fazem questão em preservar. Esse ano, por exemplo, o grupo trabalhou com a temática da Rainha das Águas Yemanjá.

Pelo fato do Afoxé fazer um som Ijexá mais moderno segundo Gemano, a cobertura da mídia apesar de não ser muito grande contribui em parte para a divulgação das suas melodias e também das suas atividades artísticas. Ele diz que isso ajudou ao bloco seguir em frente, diferentemente de outros que acabaram se fixando em uma música mais interna dos candomblés. Mas ele salienta, que ainda há muita discriminação por parte de veículos de imprensa e também da própria população que ver de uma forma deturpada o som que advém dos Afoxés.

Os instrumentos base desse bloco se resumem nos atabaques que tocam uma música moderna e de expressão. Germano confirma que o Bloco Ijexá da Bahia tem nas suas músicas influências de matrizes africanas, pois sem elas não faria sentido desfilar nas ruas da cidade durante o carnaval. Além também de explicar que é o candomblé o grande incentivador e a verdadeira essência do bloco. Germano por fim fala que a música do Bloco Ijexá da Bahia é uma música que respeita as diferenças e é feita com muito amor e trabalho árduo.

O som do Filhos de Omolú

Com políticas afirmativas de resgate e valorização de uma cultura afro-baiana, o Afoxé Filhos de Omolú foi criado no ano de 2007 e vem até hoje desfilando pelas ruas na época do carnaval. Mas de fato o primeiro desfile do bloco foi em 2008 com temas baseados no candomblé. Assim as Iabás e Babalorixás do terreiro Ilê Axé Filho de Ogum da comunidade de Lobato tiveram grande influência na construção dessa instituição, quando levou todos os membros para desfilar no carnaval iniciando as atividades desse bloco.

Atualmente, o presidente Francisco Cruz que fala pelo Afoxé, mantém os ensaios do grupo no Mercado Santa Bárbara (Cabula VI), no qual comparecem muitas pessoas que são ligadas e tem simpatia pelo bloco. A instituição possui atividades sociais que se baseiam em aulas de reforço escolar para crianças e adolescentes do bairro do Lobato já que a mesma tem a sua sede instalada na região.

Como nos outros dois Afoxés descritos nessa matéria, o Filhos de Omolú tem o ritmo Ijexá nas suas músicas. Assim constatando uma predominância do mesmo nos Afoxés da Bahia. As formações dessas músicas novamente se baseiam nos temas que o bloco escolhe, como em sua grande maioria destinados a orixás, não fugindo desse padrão os Filhos de Omolú.

Para o presidente do bloco, existe um preconceito sobre as músicas dos Afoxés. Já que a grande maioria dos blocos saem pela madrugada, não ajudando na divulgação do trabalho dessas instituições. Ele lamenta também, que a mídia da pouco espaço em jornais, rádios e emissoras. Mas isso não enfraquece a música dos Afoxés que encantam milhares de turistas todos os anos, segundo ele. Atabaques, Agogôs e Xequerês são os instrumentos utilizados com maior freqüência entre os músicos do Filhos de Omolú.

Novamente é um bloco com influências de matrizes africanas e reafirmam que se consideram um candomblé de rua. Francisco Cruz, por sua vez, fala que o maior desafio no que se refere na construção das músicas do bloco é a falta de um patrocínio vigente para eles. Em sua opinião, as grandes empresas deveriam colocar fé nos Afoxés de Salvador já que eles são a raiz do carnaval da cidade.


Portanto, a musicalidade dessas instituições que se baseiam em raízes, faz parte da construção de uma festa que há muitos anos se alimenta da magia dos Afoxés: o carnaval de Salvador. Afoxés esses como: Filhos de Gandhy; Filhos de Korin Efan; Ilê Oyá; Filhos de Omolú; Filhos de Olorum; Bloco Ijexá da Bahia; Filhos do Congo entre outros, que fazem parte de uma cultura de raiz africana e embeleza as ruas da cidade na época da folia.

Cantar cada melodia, sentir cada uma delas faz com que as pessoas sintam uma música que é feita com conteúdo histórico e acima de tudo com simplicidade. E ver um Afoxé passar sempre nos renova como filhos de uma terra que exalta música e alegria.
Onde vai, papai ojô/ Vou depressa por aí/ Vou fazer minha folia/ Com os filhos de Gandhy/ A nossa turma/ É alinhada/ Sai do meu bloco/ Pra fazer a patuscada/ É mori, moriô, babá/ Babá, ô, kiloxê, jocô. (Música: Patuscada de Gandhy)

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Carnaval: Festa popular...e paga?


O Carnaval da Bahia é considerado uma das maiores festas populares existentes em todo o planeta. Desde o seu surgimento, o carnaval se mostra como sendo uma manifestação artística que atinge maciçamente o povo, principalmente, o baiano.

Há alguns anos, um assunto vem incomodando muita gente, dentre eles, os foliões que curtem a festa de maneira ‘pipoqueira’. Alguns músicos, empresários e profissionais envolvidos nesse ramo vêm abrindo uma série de discussões que envolvem a criação de espaços fechados dentro da festa carnavalesca. A partir desse interesse, muitas dúvidas surgiram na cabeça do povo. Será que o carnaval de rua vai acabar? Será que os circuitos não estão sendo mais adequados? A criação de espaços fechados não seria uma forma de privatizar a festa?

Em busca dessas possíveis respostas, a equipe Batuque foi ao encontro de dois representantes que poderia, no mínimo, falar algo a respeito. Músico, compositor, líder do Asa de Águia e também arquiteto, Durval Lelys, não acredita na “privatização e sim na ampliação” da festa. Enquanto que, a pesquisadora e escritora, Aninha Franco, argumenta que “muitas manifestações populares foram privatizadas em Salvador, a partir dos anos 80, pelos mesmos grupos”.

Carnaval: Festa popular...e paga?


Revista Musicália – O carnaval é uma festa popular? Na sua opinião, quais são as características que o apontam como tal?
Durval Lelys – Sim. Porém a presença da classe alta e média também é notada nos anexos do carnaval (nos blocos, camarotes).

Revista Musicália – Desde o seu surgimento, o carnaval se mostrou como sendo uma manifestação artística que atinge maciçamente o povo baiano. Como você vê a privatização da festa?
Aninha Franco – Muitas manifestações populares foram privatizadas em Salvador, a partir dos anos 80, pelos mesmos grupos. Bonfim Light, Conceição Light, etc. são interiorizações de festas de largo, completamente populares, e que eu desconfio que nada têm a ver com as festas originais. O Carnaval foi a maior das apropriações.

R.M – Qual a sua opinião acerca da privatização da festa? Isso ajuda ou prejudica no contexto da festa?
D.L – Não sou a favor da privatização e sim da ampliação. A privatização teria que mudar todo o modelo do carnaval que segue desde seu inicio e se isso acontecesse não seria mais uma festa popular. As privatizações que existem hoje como blocos, arquibancadas e camarotes são produtos do desenvolvimento do carnaval, devido a proporção que a festa tomou.

R.M – Com a privatização, o carnaval perde sua essência?
A.F – O carnaval volta para dentro dos clubes. Não esqueçam que ele existia plenamente, nos anos 70, sem a turma dos clubes.

R.M – Um dos argumentos usados para a criação de espaços fechados no carnaval são os circuitos que não estão mais suportando tanta gente. Em sua opinião, os circuitos da festa são adequados? Em que sentido isso afeta o carnaval?
D.L – Eles são sempre adequados por um determinado tempo de existência. Depois eles passam a ser saturados como aconteceu comigo no circuito Avenida que, superlotou e desci para o Barra - Ondina e agora lá também esta superlotado, devido aos outros artistas da Avenida também estarem descendo para a Barra, sem contar com os novos blocos e bandas que surgem a cada ano. Cada vez que cria-se um novo circuito, deve-se criar também uma estrutura proporcional as necessidades que vão exigir.
As soluções seriam as opções que são criadas ao longo dos anos, pelos empresários e entidades carnavalescas para que criem e executem projetos interessantes. Na minha visão de ampliação do carnaval, tenho algumas ideias que acrescentariam no glamour da festa, sem perder o lado filosófico de manter a festa popular, de manter o povo na rua sem pagar nada e criar produtos comercializáveis adequados a manutenção do mesmo.

A.F – Os circuitos são pacotes de camarotes + bandas + cordas + abadas + estrelas de trio que representam o Carnaval baiano, hoje, em todo o País. Esses circuitos são sorvidos pela elite econômica nacional e pipocados pelo povo pessoalmente ou pela TV.

R.M – Uma grande parte dos foliões que saem as ruas para pular o carnaval saem na pipoca e pertencem a uma classe de baixa renda. Você não acha que com a criação de espaços fechados esses foliões não iriam ficar excluídos deste contexto da festa?
D.L – Repito, não sou favor da privatização e sim da ampliação. Esse espaço existiria no meu projeto, para as pessoas pularem sem ter que pagar nada, como também teria um espaço pago para quem quisesse ficar mais tranqüilo, isso é uma questão de conceito. Por exemplo, para mim, o Asa de Águia tem que tocar para todos nos formatos que existem, como nos carnavais fora de época, que tem o espaço privado em alguns Estados e o carnaval de rua com seus camarotes como Natal, Aracaju, Campina Grande e outros mais.

A.F – Esse carnaval, dos grupos, corre o risco de virar um carnaval de época na época do carnaval. E murchar. Nos anos 90, existiam carnavais de época o ano inteiro, no Brasil inteiro e até em Miami. Acabaram. Dêem uma checada em quantos existem hoje...E porque resistiram.

R.M – Afinal, em sua opinião, o carnaval é uma festa popular?
Aninha Franco – Nós só estamos discutindo ela porque ela é popular.

Trajetória Musical - Margareth Menezes


Batalha e persistência são as palavras que definem sua trajetória na música. Mulher negra, pobre e nascida em Salvador, superou as condições adversas e adquiriu inserção tanto no cenário nacional quanto internacional. Acredita que a sorte e a fé em Deus também a ajudaram.

Começou cantando em casas noturnas de Salvador e continuou fazendo teatro até 1990. Em seu primeiro ano de carreira, quando tinha 22 anos, gravou a música “Faraó- Divindade do Egito” a convite de Djalma Oliveira, sendo esse o primeiro registro oficial da música, o que foi uma grande honra para a cantora.
O disco intitulado “Elegibô”, um dos de maior sucesso, a levou para o mercado internacional, onde recebeu o rótulo de identidade Brazilian African Pop. A revista Rolling Stone, em 1991, classificou o álbum como um dos cinco melhores do mundo no cenário da World Music. Em 2004, foi considerada pelo jornal Los Angeles Times, a “Aretha Franklin brasileira”.

Atualmente comanda o movimento AfroPopBrasileiro, que com a iniciativa da cantora nasceu no carnaval de 2005, objetivando a preservação da identidade cultural afro-brasileira através da união de blocos afro voltados para a afirmação da cultura negra.

Trilhar o caminho a música não é fácil, como é possível perceber a partir da trajetória da cantora. Mas para aqueles que pretendem enveredar no meio musical, Maga deixa a dica: “Procure ter diferencial no que faz, e ser inteligente para não se deixar levar pelo mal gostou que impera por aí. Já vi muita gente ir e vim nesse movimento, e acho que todo artista tem que focar um discurso, o meu acho que foi: "Eu sei o que eu não quero cantar, o resto tudo é experimentação".

Perfil Musicado com Margareth Menezes


Uma das maiores cantoras da música baiana, Margareth Menezes, a Maga, completará 25 anos de carreira em 2012, já fez 15 turnês internacionais, ganhou o Troféu Imprensa de melhor cantora de disco em 1988 e em 2001, ganhou o troféu Dodô e Osmar com a música mais tocada no carnaval, “Dandalunda”. No entanto, a música começou cedo a fazer parte de sua vida. “Desde quando eu comecei a cantarolar minhas primeiras sílabas”, declara.

A família influenciou a cantora no gosto pela música porque o pai comprava discos de samba e forró e os tios, assim como o avô, tocavam violão. Aos 15 anos ganhou um violão e teve como mestre seu Nonô, segundo ela um excelente professor de matemática e música, com quem aprendeu a dedilhar o instrumento. Margareth também fez teatro, o que contribuiu para a definição da sua formação que ela define como popular com cultura e arte.

Eclética, tem como influências musicais desde o forró de Luiz Gonzaga à Tropicália com Caetano Veloso e Gilberto Gil. Também inclui na lista o rock de Raul Seixas, Rita Lee e Secos e Molhados; o samba de Clara Nunes e os sambas do Recôncavo baiano; gênios da MPB como Ângela Maria, Elis Regina e o rei Roberto Carlos. Sem contar o apreço pelas estrelas internacionais como Jimmy Hendrix, Janis Joplin, Led Zepellin e Bob Marley.

Caetano Veloso, Rita Lee, Clara Nunes e Gilberto Gil, também estão na lista dos cantores preferidos, seguidos de Chico Buarque, Milton Nascimento e Alcione. Entre os internacionais estão Tina Turner, Michael Jackson, Elton John e George Benson. Já entre os instrumentistas estão Paco De Lucia, Léo Gandelman, Santanna, Jimmy Page, Beethoven, Vivaldi, Carlinhos Brown, Gerônimo, Ilê Ayê, Cortejo Afro e Olodum. Tudo que a enriquece culturalmente entra na lista. Já as músicas, desde quando não agridam sua origem nem a sua cultura, são bem vindas.

Apesar de ter tido aulas de violão, Margareth não diz que toca o instrumento. “Não posso dizer que toco violão. Dá pra fazer músicas. Isso é uma coisa que me persegue um pouco. Sei que posso desenvolver esse instrumento melhor, mas não tenho muita disciplina, por incrível que pareça. Mas é um projeto de vida melhorar isso, vou fazer”, confessa.